Dez coisas que um homem feio deve saber para tirar mais proveito da vida, essa ingrata dama:
- Que a beleza é passageira e a feiura é para sempre, como repetia o mal-diagramado Sérge Gainsbourg - o tio francês que pegava a Brigitte Bardot e a Jane Birkin, entre outras deusas. Sim, aquele mesmo francês cabra-safado autor do maior hino de motel de todos os tempos, "Je t'aime moi non plus", claro.
- Que as mulheres, ao contrário da maioria dos homens, são demasiadamente generosas. E não me venha com aquela conversinha miolo-de-pote de que as crias das nossas costelas são interesseiras. Roberto, corta essa, meu rapaz. Se assim procedessem, os feios, sujos e lascados de pontes e viadutos não teriam as suas bondosas fêmeas em pleno olho da rua. Elas estão lá, bravas criaturas, perdendo em fidelidade apenas para os destemidos vira-latas.
- Que o feio, o mal-assombro propriamente dito, saiba também e repita um velho mantra deste cronista de costumes: homem que é homem não sabe sequer a diferença entre estria e celulite.
- Que mulher linda até gay deseja e encara, quero ver é pegar indiscriminadamente toda e qualquer assombração e visagem que aparecer pela frente.
- Que homem que é homem não trabalha com senso estético. Ponto. Que não sabe e nunca procurou saber sequer que existe tal aparato "avaliatório'' do glorioso sexo oposto.
- Que as ditas "feias" decoram o Kama Sutra logo no jardim da infância.
- Que para cada mulher mal-diagramada que pegamos, Deus nos manda duas divas logo depois de feita a caridade.
- Que mulher é metonímia, parte pelo todo, até na mais assombrosa das criaturas existe uma covinha, uma saboneteira, uma omoplata, um detalhe tão pequeno de nós dois que deveras encanta.
- Que me desculpem as muito lindas, mas um quê de feiura é fundamental, empresta à fêmea uma humildade franciscana quase sempre traduzida em benfeitorias de primeira qualidade na alcova.
- Saiba, por derradeiro, irmão de feiura, que a vida é boxe: um bonitão tenta ganhar uma mulher sempre por nocaute, a nossa luta é sempre por pontos, minando lentamente a resistência das donzelas.
Boa sorte, amigo esteticamente prejudicado, nesse grande ringue da humanidade!
Chabadabadá: contos e crônicas de Xico Sá, Xico Sá, Editora Record 2010